Reservas Extrativistas: Um modelo de reforma agrária para a Amazônia

Fonte: Xapuri Socioambiental

Por Júlio Barbosa de Aquino, Presidente do CNS – Conselho Nacional das Populações Extrativistas.

Em outubro deste ano, o CNS completou 38 anos. Nessa mesma data, a proposta das Reservas Extrativistas também completou 38 anos, porque essa nossa ideia coletiva da criação de um modelo adequado de Reforma Agrária para a Amazônia foi apresentada por Chico Mendes durante o I Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado na Universidade de Brasília, em 1985, quando foi criado o CNS.

Movimento dos Seringueiros

Passamos por várias fases nessa história do extrativismo na Amazônia. Veio o ciclo da borracha no início do século e depois veio outro, de 1945 até 1966, que foi o segundo ciclo da borracha.

Em 1966, aconteceu a falência do Banco de Crédito da Borracha e, nesse momento, todos os seringais entraram em falência. Sem seringalistas, os seringueiros passaram a viver por sua própria conta e risco. Foi aí que começou a surgir essa nossa sociedade dos Povos da Floresta. Foi esse o momento que vivi com Chico Mendes e as lideranças do Movimento dos Seringueiros.

A partir da década de 1970, os seringais quase todos deixaram de existir e passaram a ser substituídos por barracões, e estes, pelo marreteiro. Nesse tempo, deixou de existir a política da borracha no Brasil. O seringal já não tinha importância nenhuma para a economia brasileira, passando a ser mais econômico comprar borracha de fora.

Com a falência dos seringais, foram abertas as portas da nossa região para a venda dos seringais a grandes proprietários de terras do Sul e do Sudeste do país. E os paulistas, que a gente chamava de paulistas, vieram.

Começamos a enfrentar o desafio que foi entender que os seringais tinham acabado e que o barracão e o armazém fecharam. Ficamos à mercê dos marreteiros comprando borracha a um preço bastante baixo.

No início da década de 1970, os paulistas começaram a comprar os seringais na Amazônia. A questão dos seringais traz junto a abertura das estradas na Amazônia, como a BR-364. Havia um projeto político vinculado com o Calha Norte, para fazer todo um círculo de estradas.

Empates e Sindicatos

Esse tipo de ação despertou a curiosidade dos seringueiros do Acre. Foi o tempo dos grandes empates. O primeiro aconteceu no Acre em 1974, e o segundo aconteceu em 1975, ambos antes da criação do primeiro sindicato no estado.

Aliás, é preciso esclarecer que o sindicato no Acre surgiu dos empates, não foi criado para organizar os empates, os sindicatos foram fruto dos empates.  Foi em razão dos conflitos que estavam acontecendo na região que houve a necessidade de se criarem os sindicatos.

Quando aconteceu o empate do quilômetro 45 da estrada de Boca do Acre, em 1979, o maior da história do estado, aquele que ficou conhecido como “Mutirão contra a Jagunçada”, o sindicato estava começando. Tinha o de Sena Madureira, o de Rio Branco e o de Brasiléia. O Sindicato de Xapuri estava sendo fundado.

Naquele momento, a região de Boca do Acre tinha um fazendeiro que formou um bando de pistoleiros muito bem armados. Eles tinham por missão expulsar todos os seringueiros da região e invadir, também, as terras dos indígenas Apurinã.

Foto: Divulgação/ Jorge Viana

Esse ato, que contou com a participação de alguns índios e do cacique dos Apurinã, desembocou no grande empate que deu muita força pro Movimento, mas também aumentou a violência contra os seringueiros, que resultou no assassinato do Wilson Pinheiro, então presidente do Sindicato de Brasiléia, em 21 de julho de 1980.

Foto: Divulgação/ Edison Caetano / REUTERS

Ataque à Floresta

Após a morte do Wilson Pinheiro, naquele mês de julho de 1980, os seringueiros continuaram resistindo contra a entrada dos fazendeiros na região. Chico Mendes, que era o secretário do Sindicato de Brasiléia, veio pra Xapuri e, de Xapuri, ficou nos aconselhando, organizando o sindicato e a luta geral dos seringueiros.

Em Xapuri, a atividade de extração da borracha nunca deixou de existir. A partir de 1981-1982, o fazendeiro usava vários mecanismos para conseguir expulsar seringueiros da colocação: um deles era a proposta de acordo com indenização.

Caso os seringueiros não aceitassem a indenização, vinha a pressão por meio da pistolagem com a queima de casas, a matança de animais, a expulsão com intimidação e, em alguns casos, até assassinatos.

Outro argumento que eles usavam, bem articulado inclusive com donos de cartórios, era o argumento da assinatura: o convencimento de assinatura de papel em branco.

O seringueiro, que não sabia ler, colocava sua digital numa folha de papel em branco, o fazendeiro juntamente com o oficial de justiça dizendo que eles estavam assinando um documento em que o fazendeiro se comprometia a não mexer mais com ele em sua colocação.

O fazendeiro pegava aquela folha de papel assinada em branco, fazia uma declaração em nome do próprio seringueiro dizendo que abria mão da colocação dele pro fazendeiro e, com aquele documento, conseguia um mandado judicial e expulsava o seringueiro da colocação.

Projeto Seringueiro

Chico começou a ver que era necessário implantar algumas escolas para que o seringueiro pudesse aprender a pelo menos assinar seu nome. Nesse ponto entrou a Mary Allegretti.

A Mary veio para o Acre fazer a dissertação de mestrado e se juntou ao Movimento em Xapuri.  Chico e ela conseguiram pensar na implantação de um programa de educação para Xapuri, surgindo daí o Projeto Seringueiro e a Cartilha Poronga.

Implantamos as primeiras escolas em 1981. Mary foi a primeira professora do Projeto Seringueiro, e a primeira professora que deu aula para as pessoas analfabetas do seringal. O companheiro Manoel Estébio, que ajudou a Mary a fundar a primeira escola, inaugurada em maio de 1981, na colocação “Já com Fome”, no seringal Nazaré, explica como foi:

A escola do Projeto do Seringueiro foi criada pelo Movimento, para a resistência. Inicialmente era só para adultos, com professores voluntários, não seringueiros, que vinham do ambiente urbano e que seguiam a pedagogia desenvolvida por Paulo Freire.

Foi ali, na colocação “Já com Fome”, que criamos a primeira escola do Projeto Seringueiro, construída em mutirão pelos próprios seringueiros. Essa escola foi batizada com o nome de Wilson Pinheiro, em homenagem ao nosso companheiro e mártir, assassinado em julho de 1980, no STR de Brasiléia. 

Por um tempo, a Fazenda Bordon indenizou compulsoriamente o antigo seringueiro dono da colocação “Já com Fome” e se apropriou do Seringal Nazaré. Nessa época, era a Bordon que dava a senha: se ela fizesse uma derrubada, as outras fazendas, em qualquer ponto do Acre, também começavam a derrubar. Era como se existisse um código, um acordo estabelecido, no qual o sinal de partida para as derrubadas era sempre dado pela Bordon.

Mas os companheiros do Nazaré organizaram a resistência, retomaram a colocação “Já Com Fome”, e isso também passou a funcionar como senha para os seringueiros de outros seringais: se os seringueiros do Nazaré eram capazes de fazer aquele enfrentamento, outros também se sentiam desafiados a fazer os empates para proteger seus seringais.

A questão da Reforma Agrária

Ainda não tínhamos relação com os movimentos indígenas. Foi a partir do Projeto Seringueiro e das discussões sobre as escolas que abrimos o debate sobre a questão da Reforma Agrária.

Os Empates eram feitos e, na maioria deles, éramos derrotados. Eles vinham com a polícia, com o poder do Estado, a justiça, e o fazendeiro conseguia mandado de segurança para garantir o desmatamento. A gente resistia, e a luta continuava, mas era preciso encontrar uma saída.

Era necessário pensar num modelo novo de Reforma Agrária. Os assentamentos que existiam não estavam dando certo. Vários projetos de colonização estavam sendo implantados e o que se via era a pessoa receber uma parcela do Incra, ir pra lá e, com menos de um ano, sair de lá morrendo de malária e sem assistência nenhuma. Era obrigada a vender, entregar aquela terra pro fazendeiro. Dessa forma também foram construídas muitas fazendas de gado na nossa região.

Essa discussão sobre a questão da reforma agrária foi o início de tudo. Até então, a ideia que se tinha da Amazônia e do Acre era de uma terra vazia e sem gente, com alguns poucos índios espalhados pela floresta. Fora os índios, se pensava que não existia mais ninguém além do pessoal que morava na cidade. Por isso, na ideia do governo da ditadura, era importante ocupar a Amazônia.

Fonte: ICMBio, INCRA. Organizado pelo Instituto de Estudos Amazônicos – IEA

Mais uma vez, o Chico percebeu a necessidade de mobilização, de ir a Brasília mostrar às autoridades que na Amazônia tinha muita gente trabalhadora, honesta, gente do bem: índio, seringueiro, caboclo, ribeirinho. Aconteceu então o I Encontro Nacional de Seringueiros, com apoio de muita gente no Amazonas, em Rondônia, no Acre, no Amapá.

Reservas Extrativistas

O Encontro trouxe à tona o pensamento da Reserva Extrativista.  O Chico tinha consciência de que era importante para os seringueiros ter voz dentro da Assembleia Nacional Constituinte.

Ele fez parceria com o Lula, que era Deputado Federal Constituinte por São Paulo, e com o Cacique Mário Juruna, Deputado Federal Constituinte pelo Rio de Janeiro: duas lideranças importantes para garantir avanços no capítulo da Reforma Agrária na Constituição de 1988.

A aproximação com os indígenas se dava através do indigenista Terri Aquino, do sertanista Antônio Macedo e do antropólogo Mauro Almeida, que aproximaram os caciques indígenas de Chico Mendes. O cacique Soeiro foi com o Chico para Brasília. Esse cacique velhinho, pai do Siã Kaxinawá, foi uma figura importante nesse processo.

Foi dele que ouvi, pela primeira vez, palavras sobre a necessidade de fazer uma aliança entre índios e seringueiros pela defesa do território. Foi assim que os Povos da Floresta se uniram. A Aliança dos Povos da Floresta começou assim: legitimada com grande força por lideranças como Ailton Krenak e tantas outras, depois da morte do Chico Mendes, e continua viva até hoje, defendendo as Terras Indígenas e as Reservas Extrativistas.

O próprio Chico Mendes, em depoimento gravado com a atriz e ambientalista Lucélia Santos em maio de 1988, define o conceito das Reservas Extrativistas:

A proposta das Reservas Extrativistas é a seguinte: as terras estão supostamente nas mãos dos grandes latifundiários. Em toda a área do Acre, apenas dez donos dominam todo o poderio de terras. Dez mandantes. 

O que nós queremos é o seguinte: que essas terras passem ao domínio da União, que o governo desaproprie essas áreas, que elas passem a ser domínio da União (não do Estado, da União) e que elas se transformem em usufruto aos habitantes da floresta, ou seja, para os seringueiros. 

Nós defendemos a Reserva Extrativista, e quando nós a defendemos é porque nós apostamos que a Reserva Extrativista é economicamente viável para o Brasil, para a Amazônia e para a humanidade.

Estamos colocando como proposta [o] cooperativismo, colocando como proposta prioritária uma melhor forma de comercialização da borracha e a comercialização da castanha.

Nós queremos criar indústrias caseiras para se dar prioridade às outras riquezas. Veja bem: quando nós defendemos a Reserva Extrativista é porque nós apostamos que a Reserva Extrativista é economicamente viável para o Brasil, para a Amazônia e para a humanidade.

Não defendemos apenas a economia da borracha, não só a economia da castanha, mas também a copaíba e os produtos extrativistas que são vários em toda a região da floresta e que estão sendo destruídos como o coco do tucumã, o patoá, o açaí… falta pesquisa nessa Amazônia. As árvores medicinais impossíveis de serem contadas são um grande exemplo. Falta pesquisa. 

Basta que o Governo leve nosso pedido a sério e nos dê essa possibilidade. Em pouco tempo vamos provar que é possível conservar a Amazônia e transformar essa Amazônia numa região economicamente viável para o Brasil e para o mundo. Nós temos clareza disso!

Política Pública

Infelizmente, não deixaram o Chico viver para conhecer o nosso projeto de Reserva Extrativista implantado. As quatro primeiras Reservas Extrativistas (Resex) só foram criadas meses depois de seu assassinato, em março de 1989, por decreto presidencial.

São elas: Resex Chico Mendes e Alto Juruá, no Acre; Resex do Rio Ouro Preto, em Rondônia; e Resex do Rio Cajari, no Amapá, perfazendo um total de 2.162.989 hectares.

Fonte: Divulgação.

Do ponto de vista institucional, as Resex são definidas como espaços territoriais protegidos, pertencentes ao domínio do poder público, com uso concedido às populações tradicionais. O objetivo das Resex, segundo a lei, é garantir a proteção dos meios de vida e da cultura das populações tradicionais e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais nas áreas onde vivem.

Foto: Divulgação / Juvenal Pereira/ WWF-Brasil

As Resex foram introduzidas na estrutura do governo federal pela Lei 9.985/00, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), regulado pelo Decreto nº 4.340/02. Elas são criadas por lei e administradas pelo órgão ambiental correspondente na União, nos estados e nos municípios: se criadas por lei federal, a responsabilidade será do Instituto Chico Mendes (ICMBio); em caso de lei estadual ou municipal, a gestão será de responsabilidade do órgão ambiental do estado ou município.

Cada Resex é gerida por um Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade. É este conselho que aprova o Plano de Manejo de cada Reserva Extrativista.

Conquista do movimento

Na prática, as Reservas Extrativistas são uma conquista nossa, do Movimentos dos Seringueiros, que se organizou no CNS, com nossos parceiros e aliados da Aliança dos Povos da Floresta e do movimento social brasileiro, como o Chico vislumbrou em vida:

A ideia básica que levou a pensar na criação de reservas extrativistas é a de garantir áreas historicamente ocupadas pelos seringueiros, melhorando o nível de vida deles. Essa reserva não terá proprietários. Ela vai ser um bem comum da comunidade. Teremos o uso, não a propriedade. Faremos um contrato com o governo para o uso, mas não poderemos vender a terra.

Embora vivamos hoje com muitas ameaças, desde as clássicas ameaças – desmatamento, queimada, mineração, avanço da pecuária – até os famigerados projetos de lei, como o PL 6024/2019, de autoria da deputada Mara Rocha (PSDB-AC), em tramitação na Câmara Federal, que propõe a redução dos limites da Reserva Extrativista Chico Mendes, nesses 38 anos do lançamento da proposta das Resex em Brasília, temos razões para celebrar essa nossa conquista.

Com a força de nossa luta, conseguirmos proteger 15,7 milhões de hectares de florestas, nas contas do governo federal, onde vivem cerca de 1,5 milhão de famílias.

Convivência com Chico Mendes

Convivi muito com Chico Mendes porque nasci numa colocação que ficava a meia hora de distância da colocação onde ele morava. Cresci com Chico Mendes e sei como ele se alfabetizou. Sou consciente de que o Chico tinha uma sabedoria que parecia vir do além. Uma coisa da qual me orgulho muito é que ele nos deixou recomendações, que são princípios básicos de cada um de nós que somos lideranças.

Uma delas é a questão da responsabilidade, outra é o compromisso que você tem que ter com aquilo em que você acredita, e a terceira, é sempre pensar na união do grupo. O Chico tinha essa questão da disciplina, da responsabilidade, do compromisso, da lealdade. Ele tinha como princípios básicos sagrados que alguém, para ser liderança, deveria possuir esses princípios.

Quem conviveu com Chico, por mais que queira às vezes se desviar para outro caminho, só de lembrar daquela mensagem dele durante as assembleias do Sindicato – “a nossa vitória depende da nossa disciplina e da nossa organização” – não consegue perder o rumo.

Todos temos consciência de que uma grande liderança precisa ser disciplinada, ter responsabilidade, compromisso, respeito, união com o grupo e, também, tem que ler muito para passar as informações aos companheiros e companheiras.

 

Jovens participam da rastreabilidade do pirarucu selvagem no Médio Juruá

Pela primeira vez durante a temporada de pesca do pirarucu selvagem e sustentável, iniciada em setembro, jovens das comunidades ribeirinhas e indígenas da região do Médio Juruá foram escalados como monitores de rastreabilidade do peixe pela Associação de Produtores Rurais de Carauari (Asproc).

Por meio de um aplicativo desenvolvido especificamente para a cadeia do pirarucu, implementado em 2019, o peixe é identificado e rastreado desde a pesca, com um lacre do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), passando pelas unidades de beneficiamento até os pontos de venda. Além disso, o sistema permite a inserção de dados da etapa da contagem, gerando um banco de dados completo para acompanhamento e melhora contínua da atividade.

Como explica Jéssica Souza, uma das coordenadoras de rastreabilidade e dos monitores, o objetivo do projeto é empoderar jovens entre 17 e 21 anos e incentivá-los a atuar na cadeia produtiva do pirarucu. A seleção aconteceu em abril deste ano e recebeu 38 inscritos, oferecendo remuneração. Os candidatos passaram por prova temática e entrevista com diretores da Asproc e colaboradores da Coordenação de Produção. Destes, seis foram selecionados para o trabalho durante a temporada.

“É muito interessante aproximar os jovens da cadeia do pirarucu por meio da tecnologia. A gente acaba abrindo novas oportunidades dentro da cadeia para que esses jovens se insiram, se interessem e se dediquem a participar. Usando a aptidão da juventude para a facilidade de lidar com as tecnologias e novidades”, defende Jéssica.

Morador da comunidade de Tabuleiro, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari, no Território do Médio Juruá, município de Carauari, o jovem Jean Silva se interessou pela vaga e foi um dos selecionados. Ele conta que participou desde o início do processo de contagem dos peixes, nos rios e lagos, até chegar a captura, quando é colocado um lacre do Ibama para identificar o animal e suas características como peso, sexo, comprimento, horário de abate, entreb outras informações. Em seguida, vem a etapa de evisceração (retirada das vísceras) e o pescado segue para câmaras frigoríficas até o município de Carauari – onde ao ser beneficiado e embalado, o produto recebe um QR Code que direciona o consumidor a uma página informativa sobre o manejo e a origem. A capacitação profissional e a remuneração são destacadas pelo jovem como os grandes chamarizes do projeto.

“Isso tudo para mim está sendo uma experiência incrível. É muito gratificante saber que estou ajudando de alguma forma a preservar essa espécie que é tão importante para gente, principalmente para os manejadores que são os maiores pioneiros disso tudo. É muito lindo ver a evolução das espécies nativas, e isso só nos inspira cada vez mais a lutar por nossos rios e lagos!!”, diz Jean.

Jean Silva, morador da comunidade de Tabuleiro, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari

Moradora da Comunidade Xibauazinho, também na RDS Uacari, a ribeirinha Vitória Lima, de 18 anos, afirma que as oportunidades de trabalho são escassas na região e, por esse motivo, a vaga despertou interesse. Com o estágio, teve a chance de aprender mais sobre o manejo e conhecer de perto outras comunidades, como Ressaca, Bacaba, Fortuna/Roque e Lago Serrado.

“Enxerguei essa vaga como uma boa oportunidade de trabalhar e adquirir experiências e aprendizado. Gostei muito de todo o trabalho e espero poder contribuir ainda mais. Se fosse atuar no manejo, escolheria fazer parte da evisceração do peixe, pois já trabalhei com isso uma vez na minha comunidade e achei legal”, planeja Vitória.

A coordenadora Jéssica Souza ainda vislumbra ampliar as possibilidades no setor para a juventude ribeirinha e indígena do Médio Juruá. “Nossa expectativa é que sempre haja oportunidades para inserir a juventude nas cadeias produtivas como um todo. É importante que busquemos espaços e alternativas para que eles aprendam, se capacitem e experimentem a realidade das atividades. Essa oportunidade abre portas para eles dentro da associação para projetos futuros e outros cargos de técnicos, possibilitando também que eles se interessem em fazer um curso técnico, uma faculdade”, ressalta.

Minidocumentário mostra importância das lideranças femininas negras na conservação das florestas

Obra, produzida em parceria com o CNS, será exibida em sessão especial no Cine Brasília

O Cine Brasília, tradicional sala de cinema da capital federal, exibe nesta segunda-feira (27/11), às 20h, sessão especial do minidocumentário “Tem floresta em pé, tem mulher”, de Nina Fidelis. A produção faz parte da campanha de mesmo nome que tem como objetivo valorizar as lideranças femininas negras nas florestas brasileiras.

O filme foi produzido pela Oxfam Brasil em parceria com o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (Miqcb), o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).

A obra presta homenagem a nomes como Maria Nice Machado, a Dona Nice, Secretária de Mulheres do CNS, além de Maria de Jesus Bringelo, a saudosa Dona Dijé. Mulheres que dedicaram suas vidas para lutar pelos direitos dos povos do campo e pela conservação das florestas e rios.

“O filme ‘Tem Floresta em Pé, Tem Mulher’ ocorre no mês da Consciência Negra no país, data oportuna para celebrar as mulheres negras defensoras da Amazônia. Será um momento político importante de diálogo das organizações com representantes do governo”, destaca Bárbara Barboza, coordenadora de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil.

Também apresenta mulheres e seu importante cuidado, seja com a família, com a casa, com o trabalho e com nossos biomas. Mulheres quilombolas, extrativistas, indígenas e quebradeiras de coco, que estão na linha de frente da luta por seus territórios e por justiça climática. Entre as personagens retratadas, estão as mulheres da Comunidade Nossa Senhora da Boa Esperança, no Rio Pagão (PA), que fazem parte do Conselho Nacional das Populações Extrativistas.

“No ano de 2021 as mulheres que compõem o CNS identificaram a necessidade muito grande de dar visibilidade ao trabalho que nós desenvolvemos dentro dos nossos territórios e também nas organizações onde atuamos. A partir da necessidade de dar visibilidade ao papel feminino na luta em defesa da floresta para o equilíbrio climático, foi construído o ‘Projeto das Nices e Digés – Mulheres Pretas em Defesa da Floresta da Vida’. O minidocumentário faz parte de uma das etapas desse projeto”, explica Letícia Moraes, recém eleita vice-presidente do CNS.

Letícia Moraes, recém eleita vice-presidente do CNS

Letícia Moraes, que na época respondia pela Secretaria da Juventude do CNS, é uma das mulheres retratadas na obra, ao lado de Leida Moraes e Marina Ferreira, também moradoras da Comunidade Nossa Senhora da Boa Esperança. “Para mim é muito emblemático e significativo fazer parte desse trabalho, do ponto de vista de dizer: aqui na floresta tem mulher e a floresta existe porque existem mulheres que dedicam suas vidas para isso”, destaca Letícia.

Para a vice-presidente do CNS, trata-se de um trabalho necessário de reconhecimento do protagonismo histórico das mulheres negras das florestas. “Para mim, esse é um espaço de garantias, de direito, de visibilidade, mas também de enfrentamento. Serve para mostrar a necessidade de discutirmos a emergência climática tendo as mulheres como protagonistas, afinal estamos na linha de frente dentro dos nossos territórios nesse enfrentamento”, afirma Letícia Moraes.

Nomes de peso

A sessão especial nesta segunda-feira será seguida de um debate com lideranças das comunidades extrativistas e quilombolas, além de convidados especiais. O debate será mediado por Bárbara Barboza e terá como convidados Edel Moraes, Secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente; Roberta Eugênio, Secretária Executiva do Ministério do Meio Ambiente; Selma Dealdina, Secretária Executiva da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ); Maria Edinalva, Vice-coordenadora geral do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB).

Confira a nova revista Xapuri, que tem uma entrevista com o presidente do CNS, Júlio Barbosa

Confira a nova revista Xapuri, que tem uma entrevista com o presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Júlio Barbosa: Reservas Extrativistas: Um modelo de Reforma Agrária para a Amazônia

Baixe a Revista Xapuri 109: https://xapuri.info/wp-content/uploads/2023/11/xapuri-109-Web-pdf.pdf

Para assinar a Revista Xapuri: https://xapuri.info/revista-assine

RESOLUÇÃO – VI Congresso Nacional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas

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Resolução em PDF: RESOLUÇÃO – VI Congresso Nacional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas

O VI Congresso Nacional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS realizado na Universidade de Brasília (UnB), de 13 a 17 de novembro de 2023, em um momento significativo da história de resistência política dos povos e comunidades tradicionais extrativistas do Brasil, da reconstrução democrática e da participação social no país, para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, da erradicação da fome, do fortalecimento do protagonismo dos sujeitos sociais de direitos e dos seus territórios na luta pela superação das desigualdades sociais, do racismo ambiental, por sistemas alimentares justos e inclusivos de valorização das economias da sociobiodiversidade com  a promoção de justiça socioambiental, econômica, política e cultural no Brasil.

Entendemos que as crises climáticas têm impactos devastadores para nós, por isso o tema central do nosso Congresso foi “Populações Tradicionais Extrativistas em Defesa da Floresta e do Clima”. Dependemos diretamente dos recursos naturais para a garantia dos nossos modos de vida e cultura, enfrentamos consequências como a escassez de alimentos, a perda de territórios e a deterioração da saúde. Além disso, as mudanças climáticas afetam os nossos conhecimentos ancestrais e nossos modos de vida, levando ao desequilíbrio social e cultural. É urgente adotar medidas para proteger e apoiar nossas comunidades diante dos desafios climáticos, garantindo e preservando a nossa identidade.

Desta forma, o nosso VI Congresso foi estruturado em temáticas estratégicas que norteiam a nossa trajetória de 38 anos de luta do CNS, reconhecendo as nossas conquistas, ao mesmo tempo que pautamos demandas históricas e apresentamos proposições para avançarmos na promoção do desenvolvimento sustentável: (i) Fórum das Mulheres dos Campos das Florestas e das Águas em Defesa do Clima e da Vida; (ii) O Papel dos Territórios de Uso Sustentável no Combate à Crise Climática, (iii) Consolidação dos Territórios de Uso Sustentável, Regularização Fundiária e Infraestruturas para as Reservas Extrativistas, (iv) Gestão Socioprodutiva e Linhas de Financiamento para a Economia da Sociobiodiversidade, e (v) Gestão e Organização Social dos Territórios.

Através da realização do Fórum das “Mulheres dos Campos das Florestas e das Águas em Defesa do Clima e da Vida” defendemos a justiça climática do ponto de vista das mulheres, em sua multiplicidade, diversidade e territorialidade para desenvolver estratégias para o protagonismo das mulheres na agenda climática. Além disso, é fundamental o fortalecimento dos espaços para a efetiva participação da juventude nos processos de tomada de decisão que envolvam a luta do nosso movimento social.

O Papel dos Territórios de Uso Sustentável no Combate à Crise Climática

Temos consciência do papel das florestas tropicais e das populações que nelas vivem no equilíbrio climático global. Só em nossos territórios protegemos bilhões de estoques de carbono. Defendemos a construção de mecanismos de políticas públicas que garantam amplas e justas formas de compensação de pagamento pelos serviços ambientais que prestamos ao Brasil e ao planeta, como defendeu Chico Mendes na década de 1980. Neste contexto, há que considerar, primeiramente, neste debate de enfrentamento da crise climática, a garantia dos direitos sociais, a ancestralidade, o território de populações tradicionais extrativistas como questão central nas medidas governamentais a serem tomadas. Reafirmamos às autoridades nacionais, mundiais e representantes do setor empresarial, o nosso papel de protetores e defensores do patrimônio natural brasileiro na defesa da sociobiodiversidade amazônica, neste momento em que o mundo enfrenta a emergência climática que coloca em risco a vida no planeta. 

Consolidação dos Territórios de Uso Sustentável, Regularização Fundiária e Infraestruturas para as Reservas Extrativistas

Nestes 38 anos de luta, o CNS vem priorizando a articulação de políticas públicas para garantir qualidade de vida às populações extrativistas nos territórios coletivos de uso sustentável. A consolidação dos territórios conquistados, com a inclusão e implementação de políticas públicas de saúde, educação, infraestrutura, organização comunitária, produção, gestão e governança territorial sob controle político pelas associações, sustentabilidade no uso dos recursos naturais, assistência técnica para melhorar a produção da sociobiodiversidade e o retorno financeiro às famílias extrativistas, continuará sendo pauta permanente do CNS como movimento social brasileiro. Neste contexto da consolidação dos territórios, o processo de regularização fundiária e ambiental das Unidades de Conservação no Brasil é essencial para garantir a proteção do meio ambiente, a conservação da biodiversidade e a nossa segurança nas áreas protegidas e nas terras públicas não destinadas. A regularização é questão central para desenvolvimento sustentável das nossas populações tradicionais extrativistas, promovendo a valorização da cultura local, o modo de viver e o uso consciente dos recursos naturais.

Gestão Socioprodutiva e Linhas de Financiamento para a Economia da Sociobiodiversidade

Defendemos a floresta viva, a economia da sociobiodiversidade alinhada com a ciência e a tecnologia para melhorar a coleta e a comercialiazão dos produtos florestais e da pesca, que nos permitam processar, armazenar e comercializar os produtos da sociobiodiversidade, respeitando os nossos modos de vida e a nossa autonomia. Somos contra processos de inovação que resultem em pacotes tecnológicos e em sistemas de produção de altos insumos, difundidos para substituir a floresta nativa por monocultivo de variedades geneticamente uniformes, com o objetivo de atender a indústria de alimentos e depois serem falsamente propagados como sistemas ambientalmente adequados. Inovação, para nós, não pode resultar em processos que venham ameaçar nossos territórios, as nossas formas tradicionais e harmônicas de viver e produzir. É essencial investimentos públicos em políticas públicas que apoiem nossas economias, promovendo a formação, acesso a mercados e a proteção de nossos direitos na geração de renda.

Gestão e Organização Social dos Territórios

O processo de organizações de base, gestão dos territórios e formação política são movimentos centrais da estratégia política do CNS para o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das nossas comunidades. É fundamental fortalecer a democracia e participação social que nos possibilite voz ativa nas decisões que afetam suas vidas, promovendo a participação cidadã e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O nosso esforço será ampliar a articulação de redes de apoio e solidariedade, potencializando a formação e o enfrentamento de desafios e a busca por tomadas de decisões coletivas. A gestão dos territórios possibilita adequado uso dos recursos naturais e a conservação do meio ambiente, garantindo a sustentabilidade ambiental. Há necessidade de investir como prioridade em políticas públicas de Estado no fortalecimento das organizações de base e na gestão participativa dos territórios.

A luta histórica do CNS, que resultou na Aliança dos Povos da Floresta, se mantém forte e ativamente comprometida com os desafios atuais, muitos dos quais já enfrentamos no passado. Desta forma, somos radicalmente contrários ao Marco Temporal que ameaça os direitos dos povos indígenas às suas terras e coloca em risco o equilíbrio climático, afetando o país como um todo. Da mesma forma, defendemos a urgente regularização fundiária dos territórios quilombolas em todo o Brasil. É urgente fortalecer as alianças de lutas entre Cerrado e Amazônia no intuito de desenvolver estratégias conjuntas para frear o grande desmatamento e avançar na agenda de demarcação de novas modalidades territoriais dos povos do cerrado. Seguiremos unidos e atuantes por meio da luta social, da luta política e da solidariedade ambiental com a vida e a natureza e o futuro planeta.

Fica instituído o Prêmio Chico Mendes de Defesa dos Povos e Territórios Tradicionais, a ser concedido anualmente pelo CNS, àqueles que se dedicaram de modo exemplar à defesa dos direitos e legítimos interesses das populações tradicionais e extrativistas ou dos seus territórios. A indicação para a concessão do prêmio, poderá ser feita por qualquer membro das comunidades tradicionais, individualmente ou por meio da associação a que for filiado. A outorga do prêmio dependerá de aprovação: (I) da Diretoria Executiva do CNS, em votação unânime; ou (II) da maioria dos presentes na Plenária do Congresso Nacional do CNS. As demais disposições relativas à premiação serão regulamentadas por Resolução da Diretoria Executiva do CNS.

Fica definido a realização de dois novos eventos: (i) O Encontro Nacional das Mulheres Extrativistas em 2024; e (ii) O IV Chamado da Floresta em 2025 na cidade de Belém (PA), antecedendo a realização da COP-30.

Por último, demandas especificas de cada eixo temático são detalhadas no relatório final do Congresso e servirão de base para a continua luta do CNS na defesa das nossas populações tradicionais extrativistas e de nossos territórios. 

Mulheres extrativistas fortalecem equidade de gênero na luta por proteção de territórios na Amazônia

A partir desta segunda-feira, dia 13 de novembro, até sexta-feira, dia 17 novembro, mais de 250 pessoas participarão do VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas, em Brasília, com o objetivo de debater temas importantes para quem vive e protege as florestas. Metade da delegação é composta por mulheres extrativistas de todos os estados da Amazônia.  

O evento é uma realização do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), que completou 38 anos em outubro. O movimento criado por Chico Mendes e seus companheiros seringueiros, em 1985, é um exemplo de luta e resistência pela proteção de territórios e defesa dos Povos da Floresta. Entre tantos nomes que marcam a história do CNS, o legado e o protagonismo das mulheres no movimento segue fortalecendo a luta em defesa da floresta viva.

A paridade de gênero no CNS se constitui como um valor organizacional, uma prova de que o movimento reconhece a importância da participação das mulheres, de igual para igual, nas lutas históricas e presentes das comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e extrativistas, principalmente do bioma amazônico.

Na visão da vice-presidenta do CNS, Maria do Socorro Teixeira Lima, o significado de ocupar um cargo na liderança do movimento veio da luta das mulheres extrativistas.

“Nós enfrentamos vários entraves ao longo dos anos, em grande parte pelo fato natural de sermos mulheres. Então, a possibilidade de uma ‘mulher extrativista’ no movimento não era algo bem visto, inicialmente. Mas nunca deixamos que isso nos impedisse de somar à luta, pois a ideia não era estar à frente dos homens e sim ter a licença de defender a floresta e, sobretudo, a vida humana. Nunca houve desavenças sobre isso, do contrário, o espírito de união nos manteve fortes até hoje. Só depois de décadas, conquistamos a paridade de gênero no movimento, mas já havíamos aberto o caminho muito antes”, enfatiza.

Nomes que fazem a história

O Iº Encontro Nacional dos Seringueiros foi realizado em 17 de outubro de 1985, onde mais de 100 seringueiros se reuniram na Universidade de Brasília (UnB). Quem organizou o evento foi Mary Helena Allegretti, antropóloga e apoiadora dos ideais de Chico Mendes. Assim como ele, Mary acreditava no valor inestimável da floresta em pé, indo contra a lógica de desmatamento da Amazônia. 

Antes disso, em 1981, ela ajudou a fundar o “Projeto Seringueiro” para alfabetização de adultos na floresta. Outras duas conquistas dessa união são as Reservas Extrativistas (RESEXs) e o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA).

Mas a história extrativista pela Amazônia reúne muitos outros nomes. Uma delas é Raimunda Gomes da Silva, nascida em Bacabal, no Maranhão, e que foi a primeira secretária de Mulheres do movimento. Homenageada com o Prêmio Cidadania Brasileira, em 1988, a “Raimunda dos Cocos” ocupou capas de jornal, protagonizou filmes e foi cofundadora da Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip), e do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Ainda que seus conhecimentos escolares fossem poucos, isso não a impediu de ser a porta-voz de quase meio milhão de mulheres rurais Extrativistas e Quebradeiras de Coco Babaçu.

Nise Machado é a atual secretária de Mulheres do CNS e reconhecida como referência na luta negra e quilombola. Quebradeira de Coco nos babaçuais do município de Penalva (MA), ela é uma das responsáveis pela mobilização e criação das primeiras associações da região. É por meio dessas associações que o povo de Nice resiste contra a violência agrária, que tenta expulsar famílias Quilombolas de seus territórios.

“Tenho mais de 40 anos de movimento. É quebrando cocos que eu traço minha trajetória de resistência, a partir dos saberes da territorialidade que ouvi do meu pai, avó, bisavô, tio, meu tio lutador, entre outros. Sou uma mulher negra, quilombola e cantora na luta pelas comunidades da floresta”, destacou.

A atual secretária da mulher da Confederação das Reservas Extrativistas Marinhas (CONFREM) é Célia Regina das Neves, outro ícone da luta do CNS. Iniciou sua militância no Conselho em 2003 e assumiu oficialmente a suplência do líder extrativista Pedro Ramos, em 2007. Defensora ferrenha das Comunidades Extrativistas, ela protagonizou várias denúncias em sua longa trajetória de lutas, inclusive contra empresas de créditos de carbono e seus projetos de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), por conta da falta de transparência no diálogo com as comunidades das Reservas Extrativistas (RESEXs) do Estado do Pará.

Com uma vida ligada à floresta e cuidadora de seu esposo doente, Valdiza Alencar decidiu se juntar a outras famílias ameaçadas para resistir à expulsão da sua terra acreana. Reconhecida como a “Mulher do Sindicato”, foi uma das principais apoiadoras do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, o primeiro da região, em 1975. A dedicação de Valdiza contribuiu significativamente na luta pacífica contra o desmatamento e a expulsão das famílias.

Em 2023, o cargo de vice-presidenta do CNS é ocupado por Maria do Socorro Teixeira Lima, liderança sindical desde os anos 80 e presidenta da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (ASMUBIP), em Tocantins. Filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde 1993, Maria é reivindicadora dos direitos das Quebradeiras de Coco, tais como incentivos para produção agroecológica e políticas públicas de compra de produtos da agricultura familiar.

Embora apenas duas mulheres tenham sido vice-presidentas do CNS, Edel Nazaré de Moraes Tenório (2012– 2015/2015–2019) e Maria do Socorro Teixeira Lima (2019–2023), a expectativa da diretoria é que as portas sigam se abrindo para um maior protagonismo feminino.

Atualmente, uma das principais porta-vozes é a secretária de Juventude, Letícia Moraes. Nascida no berço da luta extrativista, ela tem como principais pautas coletivas a justiça social, ambiental e climática. Para ela, a juventude da floresta possui uma identidade – a extrativista – e a luta não pode parar.

“Nós, as juventudes extrativistas, nascemos com a responsabilidade de guardar um legado de luta, luto, resistência, conquista e esperanças, o território é a raiz deste legado. Mas não podemos nos esquecer dos nossos desafios diários, já que nascemos em um ambiente em que permanecer nas nossas casas com os nossos modos de vida é desafiador pela ausência de garantia de direitos aglutinadores à garantia do território como educação, saúde, produção, saneamento, comunicação, esporte e lazer, e que tais políticas sejam construídas para nós e conosco, de acordo com as nossas necessidades. Por isso, lutamos e reafirmamos a continuidade dessa luta”, destaca Letícia.

VI Congresso Nacional do CNS

Em celebração aos 38 anos de legado, o CNS realizou uma live no canal do YouTube Xapuri Socioambiental. O encontro virtual marcou o início dos preparativos para o “VI Congresso Nacional do CNS”, que acontece de 13 e 17 de novembro, na Universidade de Brasília (UnB).

A expectativa é reunir mais de 250 participantes, entre eles pesquisadores, políticos e ativistas que atuam na luta permanente pela Amazônia viva, consolidação dos territórios, políticas públicas e sustentabilidade no uso dos recursos sustentáveis, além de extrativistas de diversas partes do país.

A vice-presidente do CNS e Quebradeira de Coco Maria do Socorro Teixeira Lima reforça que o foco do congresso será as mulheres. “Passaram-se 38 anos. Nossa resistência já conquistou muitas coisas, acompanhadas do suor das lideranças femininas. O Congresso será uma oportunidade imensa para discutirmos tudo isso e prepararmos as novas gerações”.

Brasília sedia VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas com participação paritária de mulheres

Evento reúne mais de 250 lideranças na UnB

Mais de 250 lideranças dos territórios tradicionais de uso comum, representando coletivos, associações, cooperativas e sindicatos, com presença marcante luta em defesa das populações extrativistas, participarão do VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas. O VI acontece de 13 a 17 novembro, no Campus Darcy Ribeiro, Centro Comunitário Athos Bulcão, na Universidade de Brasília (UnB).

Com a temática “Populações tradicionais extrativistas, em defesa da floresta e do clima”, o Congresso é promovido pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), organização criada pelo líder seringueiro Chico Mendes e seus companheiros, durante o I Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em Brasília, na UnB, em outubro de 1985.

Em plenárias e grupos de trabalho, as lideranças debatem pautas relacionadas à mudanças climáticas e crédito de carbono, manutenção e consolidação de territórios de uso coletivos, organização e gestão e políticas públicas sobre educação, saúde, produção, crédito, saneamento básico, energia elétrica e outros temas correlatos de interesse dos povos da floresta.

Durante o VI Congresso, também haverá a eleição e posse da nova diretoria do CNS, composta por 12 membros, para o quadriênio 2024/2027. Conforme o estatuto do movimento, as delegações estaduais serão compostas por, no mínimo, 50% de mulheres, e das quais 30% deverão ser jovens, obedecendo a paridade de gênero e promovendo a transição geracional, com a inclusão expressiva de jovens.

Segundo Júlio Barbosa de Aquino, presidente do CNS, o objetivo é sintetizar novas ideias que reforçarão o plano de ação pela criação de novos territórios, consolidação das áreas existentes e proteção das populações tradicionais.

“O VI Congresso acontecerá no momento em que o Brasil retoma o processo de redemocratização, após graves turbulências políticas e sanitárias, onde nossos territórios foram extremamente ameaçados. Nos últimos anos, vivemos enormes desafios para tornar o meio ambiente equilibrado, justo e de todos (as), como avanço do desmatamento, extração de madeira e garimpagem ilegal, aumento da violência contra nossas lideranças e a carência de políticas públicas de implementação, governança e gestão dos territórios. Todas as contribuições integrarão nossos próximos passos em prol da floresta viva e pelo futuro dos Povos Tradicionais”, explica.

Programação

13/11 (segunda) 

9h: “Fórum das Mulheres do campo das florestas e das águas em defesa do clima

14h: Início aos credenciamentos

18h: Jantar cultural

19h: Mesa de boas-vindas

20h: Leitura e aprovação do Regimento Interno do Congresso

21h: Show Salve o Cerrado

 

14/11 (terça)

9h: Mesa de abertura com lideranças e autoridades extrativistas

14h: Painel “O papel dos territórios de uso sustentável no combate à crise climática

16h: Plenária

19h: Jantar cultural

 

15/11 (quarta) 

8h30: Painel “Consolidação dos territórios de uso sustentável, regularização fundiária e infraestruturas para as Reservas Extrativistas

10h30: Debate em plenária

14h: Painel “Gestão socioprodutiva e as linhas de financiamentos para as economias da Sociobiodiversidade

19h: Debate em plenária

20h: Jantar cultural

16/11 (quinta)

8h30: Painel “Gestão e Organização Social dos territórios

10h30: Debate em plenária

14h: Formação de Grupos de Trabalho

16h: Plenária de aprovação da Resolução do VI Congresso Nacional do CNS

19h: Jantar

20h: Sarau cultural “Forró no Seringal

 

17/11 (sexta) 

8h30: Organização do processo eleitoral

11h: Eleição e posse da Nova Diretoria do CNS para o quadriênio 2024/2027

14h: Mesa de encerramento

16h: Retorno das delegações

19h: Jantar cultural

 

Sobre o VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas

O VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas é promovido pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).

Parcerias: Memorial Chico Mendes (MCM), Universidade de Brasília (UnB), Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Clima e Sociedade (iCS), Comitê Chico Mendes, WWF-Brasil, Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Núcleo de Estudos Amazônicos (NEAz – UnB) e Environmental Defense Fund (EDF).

Apoio: Governo Federal, através do Ministério das Mulheres (MMULHERES) e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Azul – Linhas Aéreas Brasileiras, Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), Natura, ONU Mulheres Brasil, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Rainforest Foundation Norway, Fundo Vale, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito do Centro Norte.

 

Sobre o CNS

A criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, desde 2009 Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), aconteceu no dia 17 de outubro de 1985 durante o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado na Universidade de Brasília (UnB), com a participação de mais de 100 lideranças extrativistas do Acre, Rondônia, Amazonas, Pará e Amapá.

Recém saído de um longo processo de ditadura militar (1964-1985), quando os povos do Centro-Sul do Brasil partiram para destruir  a Amazônia, com incentivo e subsídios do governo federal, o movimento de seringueiros do Acre, liderado por Chico Mendes e seus companheiros de luta, viram no incipiente processo de redemocratização uma oportunidade para defender o seu projeto de reforma agrária para a Amazônia.

Um dos grandes legados coletivos daquele la luta dos seringueiros no I Encontro  foi a apresentação, por Chico Mendes, da proposta das Reservas Extrativistas, um modelo de reforma agrária ecológica, adaptado à realidade dos povos da floresta, inspirado pelas Reservas Indígenas, que hoje somam mais de 22 milhões de hectares de florestas protegidas e conservadas pelas populações extrativistas em todo Brasil.

Com a estiagem na Amazônia, organizações solicitam prorrogação do prazo de pesca do pirarucu

Foto: Adriano Gambarini

A forte seca que assola o estado do Amazonas já afeta 557 mil pessoas e coloca em situação de emergência 59 dos seus 62 municípios, incluindo a capital, que já registra a pior seca em 121 anos de monitoramento, segundo dados do Boletim da Estiagem divulgado nesta terça-feira (17). O baixo nível dos rios dificulta a navegação e impacta diretamente o manejo do pirarucu, atividade que envolve mais de seis mil pescadores e pescadoras em ao menos 300 comunidades e 22 municípios do Amazonas.

Devido a situação emergencial, o Coletivo do Pirarucu, formado por 23 organizações que atuam com o manejo do pirarucu no estado do Amazonas, produziu uma nota técnica solicitando ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) que o prazo de pesca do pirarucu seja prorrogado até 20 de dezembro de 2023. Segundo a instrução normativa do órgão que regulamenta o exercício da pesca do pirarucu na bacia hidrográfica do rio Amazonas, o período anual estabelecido para a pesca da espécie é de 1º de junho até 30 de novembro.

O documento foi enviado ao órgão no dia 11 de outubro. A superintendência do Ibama no Amazonas, que monitora e acompanha o manejo no Estado, recebeu a solicitação com atenção, reconhecendo a emergência da situação, e se comprometeu em analisar com celeridade a solicitação apresentada pelo Coletivo.

“É importante que a resposta à solicitação apresentada pelo Coletivo seja feita com maior brevidade, para que os grupos de manejadores possam se organizar e não interromper a pesca em 30 de novembro”, ressalta Leonardo Kurihara, indigenista da Operação Amazônia Nativa (OPAN).

Prorrogação do prazo

O Coletivo realizou uma reunião extraordinária, no dia 5 de outubro, com a presença de representantes de associações comunitárias e organizações de assessoria técnica, além de analistas do Ibama, para discutir os efeitos da seca sobre a pesca manejada do pirarucu. Na ocasião, vários manejadores relataram que o cenário de seca tem impossibilitado a realização da pesca na maioria das áreas.

“Não há como tirar o peixe antes da segunda semana de novembro, quando há expectativa de um ‘repiquete’ (mudança súbita da direção do vento, que pode aumentar o volume dos rios), pois a dificuldade de locomoção para as áreas de pesca é grande. Se o pedido de prorrogação for atendido, será um alívio para os manejadores”, afirmou Pedro Canízio, presidente da Federação dos Manejadores e Manejadoras de Pirarucu de Mamirauá (Femapam), que participou da reunião e assina a nota técnica.

Extensão do prazo

Respaldada pela experiência pioneira do programa de manejo de pesca do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), o grupo argumenta, em trecho da nota, que “não há impacto significativo de uma possível extensão do prazo de pesca para o mês de dezembro de 2023 em relação ao período do defeso reprodutivo do pirarucu, pois a espécie, mesmo em proporção menor, tem a capacidade de realizar inúmeros eventos reprodutivos ao longo do ano. E que a cota sendo de no máximo 30% dos indivíduos adultos contabilizados no ano anterior, há uma margem de segurança de 70%”.

A nota ressalta ainda a importância da extensão do prazo de pesca para garantir a geração de renda para mais de seis mil pescadores e pescadoras em pelo menos 300 comunidades localizadas em 22 municípios do Estado do Amazonas. A atividade movimentou aproximadamente R$ 22 milhões de reais em 2022 e a expectativa é que, caso a prorrogação do prazo seja aceita pelo Ibama, a pesca de 2023 alcance o mesmo patamar.

Acesse a nota técnica completa aqui.