Caminhar quilômetros com baldes na cabeça do rio até sua casa, várias vezes por dia; tomar banho de roupa; testemunhar o baixo rendimento escolar das crianças por conta de verminoses contraídas pela água sem tratamento e tentar manter minimamente a segurança alimentar da família: essa é a realidade diária de milhares de mulheres na Amazônia.
Elaborado a partir dessa reflexão sobre o cotidiano das mulheres ribeirinhas, o Sanear Amazônia, se consolidou como política pública em saneamento básico para as famílias extrativistas e é resultado da soma de esforços entre o Conselho Nacional das Populações Extativistas -CNS, Memorial Chico Mendes e Universidade de Brasília – UNB para melhorar a qualidade de vida nas unidades de uso coletivo da região através da construção da tecnologia social (que capta, trata e distribui ou reserva água da chuva), de banheiros e fossas sanitárias.
“A gente tinha que pegar uma água do rio, sem tratamento, sem nada. Sem contar que a gente tinha que fazer tudo no porto. Chegava tarde da roça, se tivesse peixe pra limpar, ainda tinha que ir tratar peixe”, comenta Maria Francisca do Carmo, vice-presidente da Comunidade Bauana, no município amazonense Carauari.
Além de trabalhar nas atividades produtivas para sustentar a família, as mulheres extrativistas dispensam parte do seu dia tentando amenizar os problemas causados pela falta de um sistema de distribuição de água e saneamento básico. As ações do Sanear Amazônia garantem a essas mulheres, principalmente, comodidade e privacidade nos momentos de higiene pessoal. A melhoria na saúde, no rendimento escolar e na segurança alimentar das famílias beneficiadas também apontam resultados positivos na implementação da tecnologia social.
Um dos idealizadores, o professor de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Silveira Bernardes conta que a ideia da construção do banheiro como parte da tecnologia social partiu das próprias mulheres das comunidades. “Elas contavam que o banheiro era a possibilidade de terem privacidade porque tomavam banho de roupa nos igarapés. Essa sensação, de tomar banho por completo, era rara.”
Iniciado como projeto, o Sanear Amazônia foi desenvolvido em comunidades do Médio Juruá, no Amazonas. Depois, já como política pública, se expandiu com o financiamento do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome para mais três estados da região Norte: Pará, Amapá e Acre. Ao todo serão 2.800 famílias beneficiadas com a implantação do sistema, além de capacitações e oficinas em gestão da água e saúde. As mulheres participam ativamente desde articulação social, na seleção das famílias, à implementação da tecnologia, durante as capacitações. No Amapá, por exemplo, a entidade executora é a Associação de Mulheres do Baixo Cajari – Ambac, onde serão contempladas 228 famílias extrativistas.
O Sanear Amazônia foi vencedor do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2015. A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, destaca que o prêmio reconhece o sucesso de um programa ainda novo que garante água para populações isoladas da Amazônia. “O programa vai levar cidadania para essas comunidades isoladas extrativistas e ribeirinhas. Ainda temos uma longa jornada, porque são muitos sem acesso à água de qualidade. Mas já começamos e queremos fazer muito mais.”