O Coletivo do Pirarucu, rede integrada por pescadores(as) indígenas e ribeirinhos(as) manejadores(as) de pirarucu das bacias dos rios Negro, Solimões, Juruá e Purus e organizações de base comunitária indígenas e ribeirinhas e de assessoria técnica aos povos indígenas e comunidades tradicionais, manifesta profunda tristeza diante do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista do Dom Phillips e expressa toda a solidariedade aos povos indígenas do Vale do Javari e aos familiares e amigos de Bruno e Dom.
Bruno Pereira era servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) e assumiu em 2018 a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC), tendo sido exonerado em 2019, após liderar uma grande operação de combate ao garimpo ilegal. Indigenista experiente, Pereira atuava há mais de uma década na Terra Indígena (TI) Vale do Javari e atualmente estava licenciado, trabalhando como assessor da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Em sua última expedição ao Vale do Javari, iniciada no dia 2 de junho, Bruno apoiava as ações de monitoramento territorial da TI e reunia provas para denunciar atividades ilegais que ameaçam a Terra Indígena.
Dom Phillips, jornalista britânico atuando no Brasil há 15 anos, era colaborador do jornal The Guardian e escreveu diversas reportagens sobre as questões ambientais do país, o avanço do desmatamento e os problemas enfrentados pelos povos indígenas e tradicionais. Na expedição ao lado de Bruno, Phillips buscava histórias para compor o livro de sua autoria intitulado Como Salvar a Amazônia.
Bruno e Dom viajavam juntos pela região do Vale do Javari e desapareceram no dia 05 de junho. O assassinato dos dois foi confirmado no dia 15 de junho, após seus corpos serem encontrados por equipes de busca compostas por agentes do Estado e indígenas integrantes da Univaja. Um crime brutal que nos choca e leva dois aliados que lutavam em prol dos direitos dos povos indígenas e tradicionais e da conservação da Amazônia.
A TI Vale do Javari, que fica a oeste do estado do Amazonas, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, sofre as consequências da política anti-indígena e anti-ambientalista implementada pelo governo federal, que enfraquece órgãos de fiscalização e abandona projetos econômicos comunitários e sustentáveis, o que contribui para o avanço do narcotráfico, da mineração, da pesca e da caça ilegal na região e intensifica os conflitos protagonizados por aqueles que enriquecem através destas práticas ilegais e destruidoras dos recursos naturais.
Desde 2011 existe a tentativa de implementação do manejo do pirarucu na Comunidade de São Rafael, nas proximidades da TI Vale do Javari, mas infelizmente a iniciativa enfrenta dificuldades em razão da pesca ilegal e da ausência do Governo Federal e de apoio do Estado. É importante ressaltar que somente através do manejo comunitário em áreas protegidas e áreas com Acordo de Pesca é possível pescar o pirarucu legalmente, pois o manejo envolve uma série de ações relacionadas à organização comunitária, a vigilância, estabelecendo regras, realizando monitoramento dos estoques, garantindo a rastreabilidade
e promovendo a comercialização sustentável do peixe. As iniciativas de manejo comunitário comprovadamente trazem benefícios à biodiversidade e promovem a melhoria da qualidade de vida das comunidades, fortalecendo, inclusive, atividades de proteção territorial. Por isso mesmo Bruno, que assessorava os povos indígenas em atividades de proteção ao território, tinha interesse em dialogar com as comunidades do entorno da TI e apoiar a retomada do manejo comunitário do pirarucu.
A Amazônia, os povos indígenas e tradicionais e os defensores desta terra não aceitam mais serem vistos como empecilhos para o desenvolvimento socioeconômico do país. Pelo contrário, os conhecimentos tradicionais de práticas sustentáveis e convivência harmônica com a floresta geram renda e divisas para o País com os produtos da biodiversidade, devendo ser levados em consideração na formulação de políticas públicas e demais projetos para a região. E seus defensores, os povos indígenas e tradicionais, servidores públicos e demais membros da sociedade civil, devem ter a garantia de poder viver e trabalhar exercendo suas funções em segurança e não mais serem tratados como alvos, vivendo sob constante ameaça às suas vidas.
Reforçamos nossa solidariedade aos povos indígenas, às famílias enlutadas e aos amigos que neste momento sofrem com essa inestimável perda. Nos somamos às diversas vozes que clamam por justiça e solicitamos às autoridades competentes que os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips sejam devidamente investigados e que os envolvidos neste crime brutal sejam responsabilizados e punidos.
Justiça por Bruno e Dom!