De carne saborosa e muito apreciada, o pirarucu é um peixe nativo da Amazônia e um dos símbolos de alimentação na região O Arapaima gigas (nome científico da espécie) é também um dos maiores peixes de água doce do planeta. O nome popular, oriundo de termos indígenas, foi dado devido à cor de sua cauda: pira, “peixe”, e urucum, “vermelho”. Mas a história do pirarucu esteve perto do seu fim. Por causa da pesca desordenada (sobrepesca), a espécie entrou em risco de extinção. Hoje, diversos órgãos ambientais, pesquisadores e pescadores socialmente organizados trabalham o manejo sustentável da espécie, garantindo não apenas a conservação do pirarucu, mas também o ganho econômico de milhares de famílias que comercializam o pescado no Amazonas.
Foto: Suzy Barros
A espécie vive em lagos e rios afluentes de toda bacia Amazônica, podendo ser encontrado, preferencialmente, em ambientes de florestas alagadas, tanto várzeas quanto igapós. Por isso, para o manejo, é necessário classificar os lagos. Através de um zoneamento participativo, os pescadores falam sobre suas áreas de uso e, com o auxílio dos técnicos, dividem em três categorias: lagos de preservação (específicos para reprodução, manutenção e crescimento das espécies de peixes, onde a pesca é proibida por tempo indeterminado, exceto para pesquisas); lagos de manutenção (uso das comunidades para subsistência); lagos de comercialização (destinados a pesca comercial do pirarucu e demais espécies, respeitado o tamanho mínimo).
Após a delimitação da área de manejo e classificação dos lagos de acordo com o uso, os pescadores experientes e qualificados realizam a contagem do pirarucu. O método de contagem foi desenvolvido por Leandro Castello, em 2002, devido a adaptação do pirarucu para habitar áreas de floresta alagada e por conta de sua estrutura física “A espécie possui uma bexiga natatória modificada que permite a respiração aérea, para isso o pirarucu vai até a superfície da água para armazenar ar, possibilitando ao pescador a realização da contagem de indivíduos existentes no lago em questão”, explica Monique Brasil, bióloga da Secretaria Executiva de Pesca e Aquicultura do Amazonas (Sepa).
Foto: Suzy Barros
A partir dessa contagem, é liberada, pelo Ibama, a cota de captura que não pode exceder 30% dos indivíduos adultos contados: “Em um cenário de sobrepesca da espécie, e com grande volume de pescas clandestinas que não respeitam o período de reprodução da espécie e o tamanho mínimo, o manejo é de fundamental importância para a conservação do pirarucu. Essa estratégia, tem seu início com a vigilância de lagos contra invasores e suspensão da pesca do pirarucu durante alguns anos para a recuperação do estoque”, comenta a bióloga.
Organização social
Reunião com os chefes de família da comunidade para definir os últimos encaminhamentos acertos antes da pesca. Foto: Suzy Barros
O manejo sustentável do pirarucu é possível, hoje, graças ao trabalho em conjunto dos órgãos ambientais que regulamentam a atividade, pesquisadores e associações, cooperativas e diversas organizações de pescadores. Cursos e oficinas de capacitação integram o processo de manejo sustentável para que a comunidade esteja consciente da importância da conservação da espécie e das domine as técnicas adequadas para o manejo. Segundo Brasil, “na RDS Mamirauá, por exemplo, são oferecidas capacitações de agentes ambientais voluntários, cursos de contadores, oficinas de monitoramento, oficinas de comercialização, oficinas de qualidade do pescado, entre outras”.
Em Carauari, cidade localizada no Médio Juruá, a Associação dos Produtores Rurais de Carauari – Asproc é que organiza o manejo sustentável de pescados. As comunidades ribeirinhas envolvidas com a preservação dos ambientes aquáticos e combate à pesca predatória, na região, já comercializaram parte do resultado no manejo no município em outubro: foram 7 toneladas de peixe, sendo 3,5 toneladas de tambaqui, 2,5 de pirapitinga e 1,1 de pirarucu. Em 2015, a pesca manejada será realizada em apenas 7 comunidades, beneficiando moradores da RDS Uacari e RESEX do Médio Juruá que participaram da preservação. A cota, estabelecida pelo Ibama, é de aproximadamente 72 toneladas de pirarucu, cerca de 20% a mais que 2014.
A produção é principalmente voltada para abastecer a região metropolitana de Manaus e cidades mais próximas às áreas manejadas, mas uma parte dela também é consumida em outras regiões do Brasil e até no exterior. ”Além disso, todas as partes do pirarucu são aproveitadas, hoje em dia já existe mercado para o comércio da língua e da pele”, comenta Monique.
Uma das etapas do processo de manejo do pescado, coordenado pela associação, é a comercialização do peixe após a captura. Para Adevaldo Dias, coordenador de projetos da Asproc, como ainda não existe a estrutura necessária para garantir o processamento e armazenamento adequado do pescado, apenas cerca de 8% são comercializados com os consumidores locais de Carauari: “O volume restante é vendido em Manaus, ou para comerciantes do município que mandam o peixe para a capital”.
Histórico
Na década de 1990, os órgãos ambientais se depararam com um cenário de sobrepesca (pesca desordenada) da espécie, Foi, então, criada a legislação que determinava o tamanho mínimo do pescado para captura. Segundo a bióloga, a fiscalização insuficiente permitiu que o cenário permanecesse o mesmo. Posteriormente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) estabeleceu o defeso da espécie, suspendendo a pesca durante quatro meses do ano, pelo mesmo motivo não foi uma medida satisfatória. Diante disso, em 2005 a pesca do pirarucu foi proibida no estado do Amazonas.
Paralelamente à criação de legislações que protegessem a espécie, um grupo de pesquisa que estudava uma reserva biológica muito rica em biodiversidade no Médio Solimões, passou a desenvolver estudos visando compreender melhor a biologia e ecologia do pirarucu. Em 1999, a reserva biológica Mamirauá, se tornou a primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) estadual e pediu ao Ibama que liberassem a pesca do pirarucu na área para uma experiência de manejo na região.