O Memorial Chico Mendes promove de 09 a 10 de abril de 2017, em Manaus, encontro com os extrativistas da Amazônia e parceiros sociais para Avaliar o SANEAR AMAZÔNIA, política de acesso à água as populações extrativistas em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, MDSA, e entidades executoras nos Estados do Amazonas, Pará, Amapá e Acre.
Faz parte da luta política do CNS e do compromisso do MEMORIAL avaliar, com participação dos principais atores sociais envolvidos, a perspectiva e o futuro da política de aceso à água na Amazônia, na medida em que os resultados obtidos possam influenciar diretamente no desenvolvimento social dos extrativistas.
O objetivo é debater e trocar saberes quanto aos processos de implementação, ajustes e inovações necessárias nas tecnologias sociais de acesso à água; bem como avaliar os principais resultados alcançados e os impactos do SANEAR na vida das populações extrativistas das RESEXs na Amazônia.
Trajetória de acesso à água
Iniciado 2009 nas comunidades do Médio Juruá, no Amazonas, com apoio financeiro da Petrobrás, a Associação de Produtores Rurais de Carauari (ASPROC) e a Universidade de Brasília (UnB) elaboraram a engenharia do sistema de acesso à água potável por captação de água de chuva sistema complementar. Nessa fase experimental, 145 tecnologias sociais foram construídas e se encontram ainda em pleno funcionamento.
Em 2015, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, CNS, articulou mais investimentos para o acesso à água, por meio do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome, MDS, para mais famílias de extrativistas no Amazonas e mais três Estados da região Norte: Pará, Amapá e Acre, na estratégia de consolidar a política pública de saneamento Amazônia.
Tecnologias Sociais Construídas
São atualmente 1.584 famílias extrativistas participantes, representando mais de 47% do total das 3.317 famílias, que serão atendida pelo Sanear Amazônia até final de 2018.
O Memorial Chico Mendes, responsável pela coordenação e gestão do Sanear Amazônia, completa 2 anos e 3 meses a frente deste trabalho de viagens pelos caminhos da floresta: rios, estradas e ramais de seringais. Caminhos da Amazônia e, agora, caminhos de quem faz o acesso à água com a construção das tecnologias sociais. No verão amazônico foi possível chegar às comunidades de terra firme. No inverno nas comunidades de várzea.
Nos trajetos feitos entre os quatro estados transportaram-se centenas de placas pré-moldadas, caixa d´água de 1.000 e 5 mil litros, louças sanitárias, tubos, conexões, cimento, madeira, seixo, areia, telas de ferro e vergalhões. Deslocando por meio de rios, lagos, furos e igarapés, foi necessário adaptar o transporte do material em balsas, barcos, pick-up, caminhões e até carroças. Logística de transporte adequada para atender às famílias que, dentro da floresta, estão perto da água, mas não tem acesso à água potável.
Mais que uma comodidade, o banheiro terá um papel importante na conservação das áreas de floresta das reservas extrativistas. “Com os banheiros de alvenaria, teremos a destinação correta dos dejetos. Essa é a grande importância que esse projeto traz para as 3.317 mil famílias”, ressalta o presidente do Memorial Chico Mendes, Antônio Adevaldo Dias.
Mesmo localizadas na maior bacia hidrográfica do globo terrestre, as comunidades extrativistas da Amazônia não tem acesso à água potável tampouco reservatório para o período do verão amazônico. Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), o abastecimento humano representa apenas 33% da demanda total da região, de modo que os consumos estimados são pouco significativos quando comparados à disponibilidade hídrica.
No seringal Porongaba, dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, Francisco de Melo Soares, 51 anos, desabafa o alívio de ter agora banheiro em sua casa: “Vamos deixar de levantar à noite, no sereno, na chuva e até mesmo no meio do sol quente para fazer as necessidades”, conta o extrativista. A família de seu Francisco colhe a castanha-do-Brasil, produto vendido por cerca de R$ 30, a lata, para a Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre).
A participação direta das famílias das reservas extrativistas atendidas pelo Sanear Amazônia nas capacitações e formação fortalece a dinâmica de trabalho e o conhecimento sobre o sistema de acesso à água por sistema pluvial na medida em que possibilita qualificá-las para a próxima etapa, que tem como força gestora a construção social de quem vive nas aéreas de uso coletivo da Amazônia.
A organização social e a participação comunitária é questão central para o Memorial Chico Mendes no desenvolvimento social do Sanear Amazônia, como estratégia para impulsionar o engajamento das famílias no desenvolvimento da política pública de acesso à água e saneamento básico. As comunidades extrativistas são protagonistas em todas as etapas de implantação da tecnologia social.
As executoras, por exemplo, foram selecionadas partir de edital público e são instituições que representam o movimento social organizado de cada localidade beneficiada. No Amapá, a entidade executora é a Associação de Mulheres do Baixo Cajari – Ambac, onde serão contempladas 500 famílias extrativistas. No Pará a parceria é com o Instituto Vitória Régia e a Associação de Moradores da Reserva Extrativista Mapuá – Amorema para implementar o Sanear nas reservas extrativistas de Soure, Terra Grande Pracuuba (São Sebastião da Boa Vista/Curralinho), Mapuá (Breves) e Arioca Pruanã (Oeiras do Pará). No Acre o Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistema Agroflorestais do Acre – Pesacre, o Centro de Trabalhadores da Amazônia – CTA e a SOS Amazônia entidades ambientais e de extensão rural e Asproc no Amazonas.
O Sanear Amazônia, como política pública do governo federal, vem no sentido de diminuir a distância entre a ação pública e as necessidades das populações extrativistas. Implantar a tecnologia social para captar água da chuva e melhorar o saneamento doméstico das famílias, mais que um investimento público é, sobretudo, possibilitar a quem vive na Amazônia mais dignidade, garantia de sua permanência na conservação do território extrativista, mais e melhor qualidade de vida.
Mulheres – Caminhar quilômetros com baldes na cabeça do rio até sua casa, várias vezes por dia; tomar banho de roupa; testemunhar o baixo rendimento escolar das crianças por conta de verminoses contraídas pela água sem tratamento e tentar manter minimamente a segurança alimentar da família: essa é a realidade diária de milhares de mulheres na Amazônia.
“A gente tinha que pegar uma água do rio, sem tratamento, sem nada. Sem contar que a gente tinha que fazer tudo no porto. Chegava tarde da roça, se tivesse peixe pra limpar, ainda tinha que ir tratar peixe”, comenta Maria Francisca do Carmo, vice-presidente da Comunidade Bauana, no município amazonense Carauari.
Além de trabalhar nas atividades produtivas para sustentar a família, as mulheres extrativistas dispensam parte do seu dia tentando amenizar os problemas causados pela falta de um sistema de distribuição de água e saneamento básico. As ações do Sanear Amazônia garantem a essas mulheres, principalmente, comodidade e privacidade nos momentos de higiene pessoal. A melhoria na saúde, no rendimento escolar e na segurança alimentar das famílias beneficiadas também apontam resultados positivos na implementação da tecnologia social.
Um dos idealizadores, o professor de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Silveira Bernardes conta que a ideia da construção do banheiro como parte da tecnologia social partiu das próprias mulheres das comunidades. “Elas contavam que o banheiro era a possibilidade de terem privacidade porque tomavam banho de roupa nos igarapés. Essa sensação, de tomar banho por completo, era rara.”
Reconhecimento – O Sistema de Acesso à Água Pluvial para Consumo das Comunidades Extrativistas foi o vencedor do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2015, realizado em Brasília. Foram 866 inscrições, desse total, 154 práticas foram certificadas e 18 disputaram o título em seis categorias. A tecnologia social desenvolvida pela Associação dos Produtores Rurais de Carauari – ASPROC em parceria com o Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS e apoio técnico da Universidade de Brasília – UNB foi a iniciativa vencedora entre três finalistas na categoria Comunidades Tradicionais, Agricultores Familiares e Assentados da Reforma Agrária.
O objetivo da premiação, realizada a cada dois anos pela Fundação Banco do Brasil, é identificar, certificar, premiar e difundir tecnologias sociais já aplicadas, implementadas em âmbito local, regional ou nacional, que sejam efetivas na solução de questões relativas a alimentação, educação, energia, habitação, meio ambiente, recursos hídricos, renda e saúde. O prêmio é um reconhecimento pelo trabalho desenvolvido na Amazônia para comunidades extrativistas que sofrem com a falta de políticas públicas que atendam suas demandas.
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