Filha de Chico Mendes, Ângela Mendes fala sobre o legado do seu pai, ideais deixados por ele e a continuidade do trabalho. “Chico Mendes vive!”
Há 29 anos, em 1988, Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, era assassinado em Xapuri (AC) nos fundos de sua casa com tiros disparados por fazendeiros da região inconformados com o ativismo e com a repercussão de suas denúncias. Seringueiro desde a infância, Chico foi líder dos trabalhadores rurais e dos seringueiros da Amazônia, além de ambientalista de repercussão internacional. Este ano, ele completaria 73 anos.
Nos anos 1970, o governo federal passou a priorizar a ocupação da Amazônia com grandes projetos de infraestrutura voltados para áreas como a agropecuária, exploração madeireira e a mineração. Assim, fazendeiros vindos do Sul e Sudeste compravam terras a preço baixo e se instalavam em locais já ocupadas por seringueiros. Com isso, os seringueiros começam a se organizar para evitar a derrubada da floresta.
A reserva extrativista foi uma forma que os seringueiros descobriram de fazer uso sustentável da terra. Os especuladores acreanos reagiram raivosos e fizeram ecoar nos meios de comunicação locais que o líder seringueiro era responsável pelo “atraso” na região. Sua imagem era construída como a de um inimigo público, sendo visto como um obstáculo para o progresso da região. E obstáculos, para alguns, não foram feitos para serem contornados, mas suprimidos.
As ideias de Chico transformaram o Acre em um lugar totalmente diferente do que era à época em que foi assassinado. E, embora sua causa esteja, essencialmente, ligada à questão ambiental, sua herança é bem mais ampla. Chico tinha um sonho muito maior.
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Ângela Mendes, filha do ambientalista e gestora ambiental, falou ao EMTEMPO que seu pai deixou uma carta antes de ser morto, pois acreditava que o futuro estava nas mãos das futuras gerações.
Com a data fictícia de 6 de setembro de 2120, ele imaginava uma futura revolução socialista mundial, que então completaria o seu primeiro centenário. E registrava: “Aqui fica somente a lembrança de um triste passado de dor, sofrimento e morte”. Esse passado ainda não está superado, mas o caminho hoje é trilhado graças, em grande parte, à vida e à luta de Chico Mendes.
Ângela fala um pouco sobre o pai que conheceu e sobre a continuidade do trabalho deixado por ele. De acordo com ela, o “Comitê Chico Mendes” foi criado no ano do seu assassinato com o objetivo de pressionar as autoridades a punir os assassinos. “Na época em que foi morto, as autoridades tinham relações com o agronegócio e ninguém punia assassino de seringueiro”, revelou.
O medo da impunidade fez com que os trabalhadores rurais se unissem para exigir justiça. “Seis meses antes do assassinato do meu pai, um jovem foi morto a mando da família Alves, mesma responsável pelo crime contra ele. O julgamento do caso desse jovem ocorreu em 2012, quando o crime já estava perto de prescrever. No caso do meu pai, em 1990, houve o julgamento e o Comitê passou a trabalhar divulgando a memória do Chico”, revelou Ângela.
Para Manoel Cunha, ex-seringueiro e ativista do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), o legado de Chico Mendes ecoa nas lutas ainda muito atuais. “Costumamos dizer que, mesmo as lideranças que não conheceram Chico, conhecem as suas direções que persistem após esses 29 anos. O que ele dizia está vivo em nós. Tínhamos o mesmo desejo de defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos da floresta”.
Sobre a situação antes das reservas extrativistas, Manoel relata a dura vida dos seringueiros. “A gente vivia insatisfeito com aquele sistema, porque eram os patrões que mandavam no preço da produção e na vida dos seringueiros. Eles decidiam até se a gente podia ou não plantar mandioca e fazer a nossa farinha, por exemplo. Quando vimos as lutas já travadas por outros companheiros, passamos a nos espelhar por essa iniciativa”, conta o ativista.
Todos os anos, ocorre em Rio Branco e Xapurí (AC), do dia 15 a 22 de dezembro, a “Semana Chico Mendes”. As datas foram assim escolhidas para relembrarem o nascimento (dia 15) e morte (dia 22) de Chico. “A nossa luta é pelo uso sustentável das florestas, que proporcione conciliação entre qualidade de vida e preservação, porque sempre foi isso que Chico defendeu”, lembrou a gestora ambiental.
“Se ele estivesse vivo, a gente teria o que tem hoje e muito mais. Para nós, que perdemos ele, a Justiça dos homens nunca vai ser suficiente. Meus irmãos não tiveram o prazer de conviver com o meu pai e eu só tinha 18 anos. Na época eu acompanhava pelos jornais o trabalho dele, mas nem sempre o mostravam de forma positiva, as ações dele também eram criminalizadas, isso só mudou com a repercussão internacional”, completou Ângela.
Ao centro da foto, Ângela Mendes
A gestora ambiental finaliza lembrando que sempre esteve isolada durante parte de sua vida. “Os amigos do meu pai me ensinaram muito sobre ele. Costumo dizer que conheci meu pai e a história dele por meio dos amigos. A história dele para mim é uma colcha de retalhos, colhi um pouco de um companheiro, um pouco de amigo, um pouco de afeto”, finalizou a filha de um dos homens mais importantes para o Brasil e para o mundo.
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