Entre os dias 19 e 24 de novembro, Carauari, no interior do Amazonas, foi palco de uma das mais significativas ações ambientais da região: a soltura de mais de 360 mil filhotes de quelônios nas praias da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Uacari e da Reserva Extrativista (Resex) Médio Juruá. Realizada durante a Gincana Ecológica 2024, a iniciativa simboliza o esforço coletivo de comunidades e instituições na preservação da biodiversidade amazônica.

“O projeto não só protege espécies dos quelônios fundamentais para o equilíbrio da nossa Amazônia, mas também faz surgir outras espécies que antes já não se via nas praias da região, inspira e incentiva as novas gerações a cuidarem do território e sua  biodiversidade. Fazendo com que  nossos jovens assumam e  valorizarem essa prática  de preservar como  sementes de esperança das futuras gerações, além de ser, no futuro mais uma fonte de renda”, declarou Maria José Alburquerque, coordenadora do projeto Floresta Mais Comunidade, o qual também apoia a iniciativa.

O evento reuniu cerca de 600 comunitários de 53 comunidades ao longo do rio Juruá e contou com o trabalho dedicado de 66 monitores responsáveis pela preservação de 19 tabuleiros de quelônios ao longo do ano. Durante a semana da Gincana, comunidades como Toari, Morro Alto, Santo Antônio de Brito, Bom Jesus e Gumo do Facão organizaram atividades que destacaram a importância da conservação e do manejo sustentável e celebraram o trabalho dos monitores, que se dedicam durante meses para a preservação.

Segundo Raimundo Cunha, presidente da Associação dos Moradores Extrativistas da Comunidade São Raimundo (Amecsara), o sucesso da iniciativa reflete o modelo de gestão colaborativa implementado na região.
“A Gincana é um evento essencial no Médio Juruá. Além de marcar o encerramento do monitoramento, ela desempenha um papel crucial no engajamento das comunidades e na conscientização ambiental. Vai além das ações locais, abrangendo novos territórios e promovendo um impacto significativo na conservação da região como um todo,” declarou Raimundo.

Mais do que um evento, a Gincana é um espaço de interação, especialmente para a juventude, como observado nos últimos anos, com a crescente participação de escolas e professores. “Mudar a mentalidade de um adulto sobre conservação é desafiador, mas trabalhar a conscientização desde a infância, com atividades como a Gincana, é muito mais eficaz,” acrescentou.

A Gincana também valoriza o trabalho dos monitores, grandes responsáveis pelo sucesso do monitoramento, e envolve mulheres, jovens e crianças em atividades que promovem educação ambiental e preservação.
“Preservar os quelônios é importante, mas não só eles; outras espécies que vivem na praia também são beneficiadas. Ao preservar hoje, garantimos que as futuras gerações possam ver o que vemos hoje. É um trabalho maravilhoso,” destacou Celícia Araújo, monitora de campo que acompanha 19 tabuleiros ao longo de cinco meses.

Parcerias para a conservação

O evento, onde os comunitários atuam diretamente em todas as fases, conta com o apoio de instituições como o Memorial Chico Mendes, Amecsara, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Juruá e da Associação dos Moradores da RDS Uacari (Amaru). Esse esforço conjunto demonstra a força da união entre comunidades e parceiros na preservação dos ecossistemas amazônicos.

“Este projeto é fundamental para a preservação da sociobiodiversidade. Todo mundo sabe que, se não cuidar, não vai ter. Apesar disso, ainda enfrentamos desafios com a pesca ilegal de quelônios. Lutamos por práticas sustentáveis, e é isso que nos motiva,” enfatizou Antônio Silva, morador da comunidade Bom Jesus.

A ação contou com o apoio técnico do Projeto Pé de Pincha, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e da gestão da Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas (Sema). Parceiros como a SITAWI Finanças do Bem, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Fundação Getúlio Vargas (FGV), contribuíram para fortalecer redes de conservação e desenvolvimento sustentável.

 

Manejo sustentável

O trabalho de conservação no Médio Juruá tem gerado resultados notáveis, como o aumento das populações de quelônios. Isso permitiu iniciativas como a criação de quelônios licenciada pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam).

“Agora, já estamos com os animais prontos para venda. Estamos muito contentes, pois esse era nosso sonho: ter uma fonte de renda sustentável dentro das comunidades. Muitas comunidades já nos procuraram, perguntando se dá resultado, e nós respondemos que sim. Se houver disposição e vontade de preservar, conseguimos” explicou Francisco Mendes, conhecido como” Bomba”, um dos líderes da criação comunitária.

Em abril de 2025, ocorrerá a primeira venda legalizada de quelônios na região, consolidando o manejo sustentável como uma alternativa viável de geração de renda.
“Desde 2017, com a resolução do governo do Amazonas que permitiu a criação comercial de quelônios de base comunitária, a universidade tem acompanhado essas experiências no Médio Juruá. Agora, os animais atingiram o peso mínimo de venda, e iniciaremos o processo de comercialização no próximo ano,” afirmou Paulo Andrade, coordenador do Projeto Pé de Pincha, da Ufam.

A criação de quelônios é vista como um avanço significativo para as comunidades locais, fortalecendo práticas sustentáveis e promovendo a preservação ambiental. “Esse é um grande avanço. Com a comercialização, vamos valorizar ainda mais o trabalho dos monitores e inspirar outras comunidades a adotar práticas sustentáveis,” concluiu Francisco Sollivan, presidente da Amaru.

O Memorial Chico Mendes

O Memorial Chico Mendes, fundado em 1996 pelo CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas), é uma organização sem fins lucrativos dedicada à preservação do legado do ativista ambiental Chico Mendes e à promoção de projetos sociais e ambientais na Amazônia. Através de diversas iniciativas, buscamos contribuir para o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das comunidades extrativistas.